sábado, janeiro 29, 2005

Mãe (1º Acto)

Primeiro Acto

(Apenas Ela está no palco, sentada a um canto, num local que em tudo se assemelha a um consultório)

"Nem saberei dizer onde tudo começa - diz Ela - Acordo cedo. Muito cedo . Quer dizer, cedo demais para quem se deita tarde. Cedo demais para quem se levanta vezes sem fim durante a noite.(mas ele acorda mais cedo do que eu...Quem? Ele? O meu coração! Sim, nunca é cedo demais para contemplar o meu tesouro e amá-lo mais um bocadinho)

(Levanta-se, eleva um pouco a voz e caminha pela sala)

Visto-o, visto-me, arranjo-o, arranjo-me, alimento-o, alimento-me (e desfruto do seu sorriso mais uma vez...como se fosse a primeira vez) e, por fim, saio de casa. Bem...é nesta fase que volto atrás pois ficou algo esquecido: uma pasta, uns documentos, o telemóvel (ou uma manha minha para estar mais uns segundos contigo) e recomeço a trajectória para o carro.

Penso que seja aí que começa este sentimento...será? Parece que tudo me deixa irritada: o trânsito, o semáforo, a senhora que atravessa a passadeira vagarosa v-a-g-a-r-o-s-a-m-e-n-t-e, até a cor da placa do "Miminho do bebé" me enjoa logo pela manhã ( se bem que no trânsito, no semáforo vermelho ou na passadeira tenho mais uma desculpa para olhar para ti, esticar o braço e tocar na tua mãozinha de anjo. Já te disse amor, que a tua pele é suave como as nuvens?)

(Suspira, torna a sentar-se e cruza a perna esquerda sobre a direita)

Afinal o que não sei é o motivo de toda esta angústia (ou coração apertado) logo pela manhã... Deixo-o na creche entregue à educadora, (já a morrer de saudades de ti, minha jóia. Mesmo antes de saíres do meu colo já te quero abraçar outra vez) volto para o carro e sigo viagem para o escritório (onde tu já não estás para me aconchegar o coração... desejo tanto ter-te comigo a todo o minuto).

(Deixa cair uma lágrima , enquanto se abraça a si própria)

Penso que já sei o que me põe nesse estado emocional tão alterado. É o prenúncio de que não vou estar com ele muitos segundos, muitos minutos, muitas horas... (filho...fazes-me tanta falta) É a ameaça mortal de que não o vou ter só para mim, o resto da minha vida; e que ele pertence ao mundo inteiro e não só àquela que o transportou no ventre (tesouro...porque não posso guardar-te numa cesta de algodão doce e proteger te de tudo o que é mau? )

Afinal talvez saiba coisas que pensava que não sabia - Ela levanta-se e prossegue - não acha doutor? (estou quase a voltar para pertinho de ti meu docinho) Só não sei como irei ultrapassar este sentimento, ou esta fase. Acha que será apenas uma fase? Não estou doente pois não doutor? (está quase na hora de ir buscar o meu torrãozinho de açúcar)

(Levanta-se, e dirige-se até à porta. Ao abri-la pára, como se estivesse a reflectir sobre algo)

Obrigada doutor, sei que não estou doente, sei apenas aquilo que vivo...e tudo isso diz o que sinto...

Penso transbordar medo e ansiedade, possessão e obsessão, carinho e amor, felicidade e vivacidade.

Penso ser aquilo que sempre quis ser: Um ser completo.

Tenho a certeza daquilo que sou hoje e para sempre: Mãe

(Sai deixando a porta entreaberta)

Desce o pano

FIM do primeiro acto




1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Éstá muito bem feito o teu blog, parabéns.
Esta peça descreve bem o dia a dia de uma mãe com filhote pequeno, revi-me em muitas das situações que descreve a peça.
Beijinhos da Ana65 dos fóruns do PinkBlue do Clix, mãe de Marco António de 8 meses.

domingo, 30 janeiro, 2005  

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